Pois é, nessa vida contemporânea, de redes sociais e exposição máxima, ficamos com a (falsa) impressão que conhecemos tudo e todos a fundo.
A Gisele Büdchen coloca fotos da cozinha dela e imediatamente já nos sentimos íntimos. O que falar então, das celebridades que enchem nosso dia de vídeos e histórias, mostrando até o momento em que escovam os dentes? Aquele colega, que você mal conhecia quando trabalhavam juntos, agora se exibe jogado no sofá, de calção de gosto duvidoso, assistindo Palmeiras e tomando cerveja….
Fico surpresa, em saber que a colega de escola da minha filha, tem milhares de seguidores e fica se questionando, ao vivo, sobre que cor deve pintar as sobrancelhas…. e por aí vai. O mundo em ebulição, guerras iminentes, líderes equivocados, corrupção impune, mortes inexplicáveis, etc. etc. e nós nos apegando ao molho que a Gabriela Pugliesi coloca no macarrão.
De 2016 para cá, isso parece que perdeu o controle. Até meu marido, que era um anti- mídia social convicto, fica grudado no feed do Instagram. E eu também! Basta ver as minhas mais de 2000 fotos. (Já curtiu? Já me segue?)
Acho que estamos todos sofrendo de uma espécie de contágio coletivo. Algo que vicia mais que morfina, e que nos mantém alienados e anestesiados. Além disso – para mim isso é que é grave – nos iludimos e acreditamos em coisas que funcionam somente em um clique e não, necessariamente, correspondem à verdade.
Sem querer bancar a erudita, mas a filosofia já antecipou o fenômeno e, através de séculos, vários autores se debruçaram sobre as necessidades e comportamentos humanos em seus meios sociais. Em 1967, Guy Debord, filósofo francês, publica o ensaio “A sociedade do espetáculo”. Eu confesso que estudei trechos e ainda não o encarei por inteiro, mas o que vi foi o suficiente para me deixar embasbacada. Seria Guy Debord, um Nostradamus reencarnado? Como ele pôde descrever, tão bem, a loucura que vivemos hoje, com mais de meio século de antecipação?
Deixo aqui um aperitivo, uma das frases do seu texto, que me provoca arrepios e que de forma tão simples e genial, define a nossa sociedade atual:
“No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso”
Sim! Estamos vivendo uma realidade invertida, um cotidiano às avessas. A vida, como é, está cada vez mais se tornando desinteressante e cedendo seu lugar às stories forjadas e cheias de filtros. Há filtros para tudo! Te rejuvenescer, fazer o sol brilhar em um dia que a praia está uma caca, afinar a sua cintura, colocar uma cara de palhaço que te deixa feliz, etc. O céu parece ser o limite. E assim, criamos intimidades falsas, com pessoas e vidas falsas. As consequências, têm sido por hora, uma série de sentimentos equivocados, distorcidos e doloridos.
Um dos que mais andam em alta: inveja! Quem nunca a sentiu? Você está, embaixo da chuva e de cachecol, há mais de 8 meses, e vê a recepcionista da escola que você frequentou em 1980, tomando sol na praia, sob um céu azul e caipirinha na mão. Dá para não sentir inveja?
Abriram-se também as portas do inferno! Somos constantemente invejados, e até odiados, simplesmente porque mostramos que temos um jardim bonitinho. Amigos se afastam e semi-desconhecidos mandam comentários irônicos e agressivos. Que fase!
Outras vezes, ao contrário, nos sentimos tão privilegiados, que chega a provocar um incômodo. Isso acontece quando você vê a espinha gigantesca no meio da testa, da Luana Piovani, que tentando se fazer de descolada, fotografa em close o seu infortúnio.
E assim o tempo vai passando e esses feeds vão nos assombrando. Alguns inspiram, muitos incomodam e outros tanto aborrecem, de tão chatos que são.
Não percebemos que a vida também está passando. Enquanto me distraio no celular, deixo de notar o passarinho azul que pousou no meu gramado.
Esse distanciamento, do que é real, certamente trará consequências. Não sei ainda quais serão, mas agradeço a dica de amigos bem informados, que possam me indicar autores mais atuais que já estão fritando no assunto.
Só tenho a certeza de que o mundo não para. As estações continuam se modificando, meus cabelos ficando cada vez mais brancos e o tempo, implacavelmente, correndo rápido.
A minha vida não é perfeita, meu jardim nem sempre está florido e também não sou imune a problemas e preocupações, de toda ordem. Vida perfeita, somente a da Cinderela, depois que se casou com o príncipe, mas assim mesmo, será? Ninguém nunca escreveu a parte 2 da história…
Somos humanos, somos falíveis e somos frágeis, sujeitos a ventos e trovoadas, e também momentos de calmaria. Ufa!
Se eu fosse o Zuckerberg, tratava logo de criar mais um aplicativo. Que fotografasse em tempo real a nossa aura, a nossa energia pessoal. De forma realista! Já imaginaram? Seria um exercício maravilhoso, para nos policiarmos e controlarmos o fluxo de nossas emoções e pensamentos. Pararmos de desejar, ainda que inconscientemente, o mal àqueles que estão “aparentemente” felizes. Sermos gratos, mesmo quando há uma pilha de louças na pia. E mais do que tudo, resgatarmos a simplicidade da vida. Aquilo que cotidianamente importa, e não é digno, ou espetacular o suficiente, para ir parar nos posts do Instagram.
Viram só? Lancei a ideia. Se algum gênio resolver investir a fundo e capitalizar, fique a vontade, só se lembre de me mandar o crédito ok?
Beijos e boa vida real pra todo mundo!
Gabi adorei a sensibilidade e ao mesmo tempo a sinceridade de descrever esse tempo onde as pessoas não querem mais degustar momentos e sim mostrar !! Sou sua fã!! Beijos no coração
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😘😘😉
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