Me faltou ar. Fazia tempo que um filme, ou série de televisão tivesse esse impacto em mim. Estou falando de Big Little Lies.
Essa micro-série da HBO que se encerrou ontem, foi gloriosa em suas escolhas. A começar pelo elenco afiadíssimo, sobretudo Nicole Kidman no papel mais marcante de sua carreira. Esse show foi baseado em um livro da escritora australiana Liane Moryart. Eu já havia lido uma obra da mesma autora há anos atrás e já havia me impressionado com sua capacidade precisa de tratar de temas densos.
A identificação foi imediata. Também já fiz parte de um grupo de mulheres parecidas, na faixa dos 40 anos, com filhos frequentando a mesma escola e com as vidas aparentemente idílicas. Casas bonitas e casamentos perfeitos.
Quantas são as mentiras que escondemos dos outros atrás das nossas máscaras de perfeição? E o mais grave, quantas são as mentiras que escondemos de nós mesmos, querendo sempre nos auto enganar que estamos a salvo dos problemas?
Por trás de famílias bonitas no Facebook, viagens sensacionais no Instagram e rotinas impecáveis existem camadas obscuras de realidade que nem sempre vêm à superfície.
Não se trata de uma situação específica que acomete apenas uma classe social, mas se trata da nossa frágil humanidade. É isso que me encanta. Por baixo de máscaras estamos todos, igualmente, enfrentando a vida, fazendo-nos equivalentes, apesar de toda e qualquer diferença.
O tema central da série é a violência doméstica e os relacionamentos abusivos. Os danos podem ser imensuráveis e irreparáveis, não à toa que parece que vivemos em um ciclo, onde a violência sempre se repete, de pai para filho, condenando nossa sociedade a uma recorrência de sofrimento eterno.
Quase sempre o lado frágil da moeda é o feminino. Estamos em 2017, quase na segunda década do século XXI e ainda assistimos passivamente à subserviência feminina.
Eu cresci em um ambiente abusivo. Ainda guardo fresco na memória o comportamento agressivo de meu pai dirigido a mim e a minha mãe. São ecos de memória que me acompanharão para sempre, infelizmente.
Quis o destino que eu fosse mãe de três meninas de dois pais diferentes, mas ambos amorosos e respeitosos com suas mulheres. Ainda assim, um medo inconsciente me persegue, será que minhas filhas terão a mesma sorte, de viverem relacionamentos saudáveis e livres de agressões físicas e psicológicas?
Considerando os avanços da luta feminina, a essa altura do campeonato, essa questão já nem deveria ser considerada. Tal qual como pensarmos nos perigos da Peste Negra, que dizimou a Idade Média, em dias atuais. Mas, trata-se de uma realidade cruel e palpável.
Ano de 2017: os EUA elegeram um homem para a presidência da república, que se gabou publicamente de tocar mulheres pela vagina, sem o consentimento delas. Que entrava, sem permissão e sem medo em vestiários femininos, onde adolescentes se trocavam.
Ano de 2017: famoso ator global sexagenário assedia e agride verbalmente assistente de figurino da rede globo. Repercussão: silêncio. Nem as mais ativistas artistas dentro da rede mencionaram uma palavra.
Ano de 2017: mulheres continuam a se boicotar. Sofrem assédio sexual violento em festas de carnaval nas ruas do Brasil, e ainda são criticadas publicamente por outras, como se fossem responsáveis por tal violência.
Chega! Estou esgotada…. Não aguento mais tamanha hipocrisia. Não aguento mais.
O mundo ainda é um lugar muito hostil às mulheres. Até quando?
Se você faz parte daquele grupo, que se reúne com amigas para sempre julgar e condenar comportamentos femininos alheios, sinto te dizer, você também é responsável por essa violência.
Comentários como: Por que ela se veste assim? Por que ela trabalha fora e deixa os filhos? Por que ela se acomoda e vive às custas do marido? Por que ela é desleixada? Por que ela é tão vaidosa? Por que ela namora tanto? Por que ela é tão pudica? Por que ela é bem sucedida? Por que ela não faz nada? etc. etc. etc.
Podem parecer inócuos, mas servem de combustível para a mulher ser sempre subjugada dentro da sociedade.
Já escrevi aqui sobre o drama da violência contra a mulher, que atinge mulheres em todo mundo, de todas as classes sociais. Eu repetirei incansavelmente: essa condição poderá mudar quando mulheres se enxergarem como aliadas. Quando mulheres se levantarem em defesa de outras, deixando para trás a superficialidade das competições, ciúmes, invejas e recalques.
Abro meu coração, minha alma e meu tempo para quem quiser se dedicar a essa causa de união e valorização sincera da condição feminina. Ao mesmo tempo, fecho as portas definitivamente para quem só pensa em julgar, boicotar, agredir e fofocar.
Só existe uma saída e isso o show Big Little Lies mostrou lindamente nas cenas finais: juntas somos mais fortes e invencíveis.
Vamos dar, finalmente, as mãos?
http://www.hbo.com/big-little-lies/about/video/trailer.html?autoplay=true
Oi, Gabi! Sobre o caso do ator José Mayer, que você mencionou no texto, há que se convir que a repercussão não foi apenas silêncio. Várias atrizes da rede globo expressaram publicamente apoio à funcionária assediada e lançaram uma campanha com uma hashtag pra que o assunto fosse discutido em redes sociais. A própria emissora afirmou também repudiar esse comportamento, fez inúmeras reportagens e as transmitiu em horário nobre e disciplinou o ator de acordo com suas políticas internas. Ele, por sua vez, publicou uma nota se desculpando pelo ocorrido – e acabou provocando mais fúria ainda, pois na carta ele colocava a culpa do que tinha feito na criação que recebeu e bla bla bla.
Enfim. Ainda temos um longo caminho de luta contra o machismo, mas achei que você gostaria de saber que, pelo menos nesse caso, houve um debate, houve consequências para o perpetrador, houve apoio à vítima.
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Sim, eu soube da repercussão do caso depois de já ter publicado o texto. Infelizmente essa ainda é uma luta longe de ter sido ganha, mas devemos resistir sempre. Acho que aos poucos a sociedade brasileira está despertando para essas questões e vejo com alegria um movimento forte de mulheres de todas as idades em relação a isso!!
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