A maternidade em terras estrangeiras

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Três idades da Mulher – Gustav Klimt

Ser mãe é vencer eternamente uma montanha de desafios e ser mãe em terra e língua estrangeira requer ainda mais coragem e habilidade para lidar com eles. Não é fácil…

Me lembro do meu primeiro mês aqui, afogada na neve e nas novidades, quando eu tive que matricular minhas filhas no sistema de ensino público em que tudo funciona de uma forma completamente diferente do Brasil.

Como estrangeiro, seus filhos são submetidos a provas de Inglês e conhecimentos gerais, como ciências e álgebra, e a partir do resultado eles são encaminhados ao nível correspondente de aulas de ESOL (inglês como língua estrangeira) e de reforços nos respectivos conteúdos onde apresentam dificuldades.

Minha filha mais velha, na época com 13 anos, foi muito bem na avaliação, tanto de inglês como geral e a recomendação foi que ela entrasse direto na High School. Nós entramos em pânico! Afinal o ano letivo já tinha começado há  meses ( as aulas aqui começam em setembro e estávamos em janeiro) e a idade em que as crianças  entram no High School é 14 anos.

Não aceitei a imposição e briguei, com meus inglês capenga, para que ela refizesse a metade do oitavo ano, antes de ir para o nono, que é quando começa a High.

Foi então que ouvi a seguinte frase do avaliador: “Você e seu marido decidiram vir para esse país. A escolha portanto não foi dela, e sim de vocês! Acha justo que ela atrase seis meses na escola, por uma decisão da qual ela não fez parte?”

Acabei conseguindo o que eu queria e ela foi para o oitavo ano onde pôde rever alguns conteúdos e se sentir mais confiante para agora, finalmente e na idade certa, começar a High School.

Esse episódio todo não é importante, mas sim a frase que ouvi e que  não sai da minha cabeça:  será que meu marido e eu, fizemos o certo ao impormos uma mudança tão radical na vida das nossas filhas?

Sei que hoje, um dia após a vergonhosa comemoração em Brasília, com nossa incompetente presidente desfilando protegida por muros e canhões, muitos dos que me leem aqui devem pensar: claro! Não há dúvidas: o Brasil está na sua pior fase, sem qualquer esperança….

Sim, eu sei. Aqui temos segurança, educação de qualidade, menos desigualdade social, respeito, civilidade, etc. etc.

Mas vejam, não temos o conforto de nossa terra, o conforto de nossa língua. E principalmente para mães como eu: nos sentimos completamente sozinhas nessa árdua tarefa de educar e orientar nossos filhos em terras desconhecidas.

Finalmente hoje, minha filha foi para a High School! Uma escola enorme, com cerca de 3.000 alunos adolescentes. Uma infinidade de matérias novas e de salas num labirinto de corredores.  Para nós brasileiros, a estrutura física de uma High School lembra muito mais a de uma Universidade do que os colégios que conhecemos. E olha que vivenciamos de perto os maiores de São Paulo, como Colégio Rio Branco e Visconde de Porto Seguro!

Ainda sim, foi apavorante! Levei ela até lá e senti a sua mãozinha gelada de medo, assim como seus olhos vermelhos. Quando ela desceu do carro, sozinha e carregando todo o material para o primeiro dia, no meio de uma infinidade de adolescentes e rostos desconhecidos, foi difícil eu não chorar!

Ser mãe é sentir no âmago, mil vezes mais, tudo o que um filho sente! Mesmo para mim, que já sou mãe experiente – minha filha mais velha está se mudando essa semana para um novo apartamento na Philadélphia, que ela vai dividir com o namorado – haja coração!

Isso sem falar da minha caçula, de dez anos, que eu  também deixei hoje em uma nova escola, sem conhecer absolutamente ninguém! Foi mais um momento de lágrimas contidas e mãos encharcadas de suor…

Acreditem:  a língua, a terra, a experiência compartilhada com pessoas que tem a mesma história que você, fazem uma falta danada nesses momentos. Queria poder tomar um café com uma mãe como eu e abrir meu coração, sobre meus medos e inseguranças. Queria poder levar minhas filhas para brincar e se distraírem com os primos no final de semana, ou então para a casa da vovó, onde elas seriam cercadas de carinhos.

Mas fizemos uma escolha. Por nós, por elas…. Deixar a terra em que estão as nossas raízes nunca é uma decisão fácil e a pergunta que o avaliador da escola deixou pra mim, sempre volta à tona.

Semana passada, quando a terrível imagem do menino Aylan tomou conta do mundo, foi impossível para mim não sangrar por dentro!  Seu corpinho inerte na praia, todo arrumado de sapatos e roupas boas, evidenciava os cuidados de uma mãe, que assim como eu, escolheu um vida diferente para o seu filho. Salvas as diferenças, sou também imigrante e responsável por essa brusca mudança na vida de minhas filhas.

A busca é eterna: sempre tentando encontrar nesse mundão afora o melhor para os nossos filhos, acima de qualquer coisa. Hoje só espero que minhas meninas tenham tido uma boa acolhida nas novas escolas e que isso aumente a certeza de que fizemos a escolha certa.

Por Gabriela Albuquerque

Pois é, não é fácil se auto descrever, mas vamos lá! Brasileira, já na quarta década de vida, mãe de três meninas sensacionais e atualmente vivendo em Seattle , EUA. Arte, arte e arte. Foi o que sempre me moveu, mesmo quando eu nem tinha ainda noção disso. Sou aquela que organiza a vida com foco nas cores, formas e texturas. Os olhos, muito mais do que janelas da alma, são para mim, o meu passaporte para a vida. Olho tudo, e me motivo sempre, visualmente falando. Escrever também é um exercício diário. Uma necessidade gigante de me expressar e nada como esse aglomerado simpático de letrinhas, para fazer com que eu mesma clareie minhas ideias e pensamentos. Por isso o blog. Para escrever e compartilhar fatos, dores, delícias e experiências de uma mulher, que agora tão longe de casa, está sendo desafiada a redesenhar a própria vida! Seja bem vindo! Welcome to my thoughts....

3 comentários

  1. Meu Deus!!! estou devorando seu blog!!! E confesso que neste momento estou em prantos…. estou na fase de decisão de me mudar…. Tenho 2 filhas de 12 anos…. Estou apavorada com a idéia, mesmo pq não dominamos a língua e não vou poder exercer minha profissão que amo…. Mas acredito que para elas será um experiência incrível!!! Ou não? Ser mãe é viver em eterna dúvida!!!
    Vou continuar aqui… hipnotizada… lendo tudo… e tentando imaginar tudo que me aguarda!!!
    Obrigada!!

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    1. Calma Roberta! Sei bem pelo que está passando, mas fique tranquila que as coisas se ajeitam. Fico super feliz de poder ajudar de alguma maneira….
      Então, acho melhor sempre começar o ano letivo aqui, que normalmente é entre agosto e setembro, depende do estado. As crianças começa com todo mundo e fica muito mais fácil….
      Existe sim um programa chamado ESOL para alunos com língua estrangeira. Costuma ser ótimo, mas varia muito de estado para estado, não sei te dizer sobre NY.
      Mas será ótimo! Sempre vale a pena a experiência…boa sorte e continue acompanhando o blog. beijão 🙂

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  2. Oi Roberta, estou pensando em me mudar para os EUA no próximo ano e os meus filhos vão estar com 6 anos e 13 para 14 anos (minha filha faz aniversário no final de fevereiro). Essa avaliação para ver para que ano eles vão é feita aonde? Na própria escola? Eu sei que o ideal seria nos mudarmos no início do ano escolar daí mas acho que não será possível e iremos no final do ano mesmo, para começarem as aulas depois do reveillon. A minha filha mais velha provavelmente já vai entrar na High School por causa da idade, não é isso? E o meu mais novo, com 6 anos, deve ir para qual? Elementary? Eles estão muito resistentes com essa mudança mas nós achamos que será bom para eles, ainda mais com a atual situação do nosso país.
    Estou adorando o seu blog! Parabéns!
    Bjs,
    Marcella

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