Esqueci o que é medo e a sensação de violência vai se tornando distante. Arrisco a dizer que se trata de um sentimento físico, parecido com uma dor de dente insuportável e constante que de repente parou de existir e você nem se lembra mais como era.
Caminho sozinha a noite, deixo o celular na mesa do restaurante enquanto vou me servir no balcão, esqueço de trancar a porta da frente de casa, assim como os vidros do carro estão sempre abertos. Tinha até me esquecido o quanto é bom dirigir no entardecer com o vento batendo no rosto…
O incrível é pegar o metrô, de relógio, aliança e corrente e ler o jornal do dia no Ipad, sem medo de ser feliz. Mas, metrô? Como assim? Isso me lembra o que tanto ouvi da boca de amigos e conhecidos de São Paulo, “ah, meus filhos já andaram de metrô em Londres e Nova Iorque, mas em São Paulo nem pensar….” Hmmm, parece que misturei alhos com bugalhos agora não? Mas será mesmo que a crescente violência e a ausência da classe média “alta” nos metrôs paulistanos são assuntos assim tão díspares?
Um dos segredos a que eu atribuo o conforto da vida social americana é o fato de aqui ser um verdadeiro “melting pot” ou um caldeirão de várias pessoas, raças, etnias e classes sociais vivendo de forma muito parecida.
A menina muçulmana coberta de véus toma uma coca-cola na praça de alimentação ao lado da amiga loira de shorts e piercing no umbigo. O motorista do caminhão de mudança é casado com uma funcionária executiva do Capitólio e o veterinário romeno, marido da professora sueca, incrementa a renda da família trabalhando de barmen algumas noites da semana. Ah e claro, o chiquérrimo executivo divide o banco do metrô com o garoto negro do hip hop!
Enfim, tenho vivenciado e observado um novo jeito de vida em sociedade. Evidente que existem ricos, pobres, poderosos, latinos, pardos e negros, mas as diferenças não são tão escancaradas como no Brasil. São vários os fatores que contribuem para isso, e escrever nesse terreno árido exigiria muito mais do que tenho de conhecimentos sociológicos e intelectuais. Estou aqui, somente arriscando um palpite de observadora, principalmente nesse momento em que tantos esqueletos do retrocesso surgem todas as manhãs no meu feed do Facebook…
Não acredito em saídas fáceis para séculos de abismos sociais, culturais e econômicos. Mas tenho um palpite: a melhora só virá quando se olhar para frente e às vezes temo que as soluções imediatistas que têm surgido à rodo, são na verdade um eterno caminhar para trás. (Lembrando que no Brasil se investe mais em presídios do que em escolas).
Não consigo vislumbrar um futuro positivo que não passe pela diminuição das diferenças, pela generosidade e pelo olhar para o próximo como um semelhante e não alguém além ou aquém da minha pessoa. Dica: se você sonha com o primeiro mundo, risque a frase cafona “olha com quem está falando” do seu vocabulário. 😉
O que me inspirou hoje, veio também na enxurrada das notícias matinais. Mal tinha aberto os olhos quando assisti à leitura emocionante de um poema de Elizabeth Bishop, escritora americana que viveu no Rio de Janeiro entre as décadas de 50 e 60, casada com a arquiteta Maria Carlota de Macedo Soares, responsável pelo projeto e execução do Aterro do Flamengo.
O ano era 1964. Da varanda do seu apartamento no Flamengo, Bishop assistiu à execução de um bandido carioca pelos policiais. A tragédia rendeu um belíssimo poema, interpretado de forma emocionante por Jorge Pontual. O link está abaixo:
Me fez pensar, estamos em 2015 e nada foi melhorado desde então. Talvez seja hora de rever as estratégias e ao contrário da brutalidade, tentarmos a cordialidade. Enxergar no outro um pouco de nós mesmos, ainda que nossas origens e histórias sejam infinitamente diferentes, pode ser um bom início! Eu e minhas filhas temos colocado isso em prática frequentemente, e acreditem, é muito gratificante se sentir fazendo parte de um todo, composto de pessoas totalmente diferentes de você.
Por que afinal, onde está o certo ou o errado? O que me faz melhor ou pior do que você? Estamos apenas dividindo o mesmo barco ao mesmo tempo, não? Que possamos nos dar as mão e fazer do mundo algo menos complicado e bom mesmo de se viver!
Gabi querida !!
Continue sempre escrevendo por favor!
Adoro ler seus textos!!
Com saudades sim…mas muito feliz por vocês.
Beijão
Erika
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Linda Érika! Obrigada pelo apoio…..adoro saber que o meu texto alcança alguém positivamente! Beijooooos!
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Excelente texto Gabriela! Estou nos Estados Unidos há 3 meses e realmente algumas diferenças são gritantes. Acho que onde você mora o fato de ter metrô contribui bastante para uma maior mistura de classes sociais, queria que fosse assim em no país inteiro. Estou em Houston-Texas e aqui não temos metrô, temos tram e ônibus. Já utilizei bastante e ambos são muito seguros; completamente de São Paulo onde a gente tem que ficar abraçada com a bolsa e olhando para todos os lados com medo de ser assaltada ou encoxada.
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